Todos nós (pretensamente) já fomos criança um dia
— Se um dia eu já fui criança, Roberto? — pergunto indignado ao meu sobrinho de cinco anos de idade que me olha com incredulidade quando lhe mostro uma foto antiga minha.
— Mas é claro que eu já fui criança… esse aqui na foto que te mostrei sou eu, ó! — lhe respondo mostrando-lhe novamente a foto, determinado.
Ele olha para a foto, que quase esfrego em seu pequeno nariz de batatinha, característico de nossa família. Olha para mim. Faz esse movimento algumas vezes. Meu irmão ri. Meus pais riem. E riem ainda mais quando, ligeiramente em dúvida, Beto me responde: — Mas é que você tem cinco anos e já é velho assim… — e aponta para o meu eu que não está na foto, e sim a sua frente.
— Como assim “cinco anos”? Eu não tenho cinco anos! Você tem cinco anos, Beto.
— Eu sei que tenho cinco anos. Você também. É esse tempo que a gente se conhece, oras. O papai e a mamãe também têm cinco anos. O vô e a vó também…
— Não, eles não têm cinco anos. De onde você tirou que todos nós temos essa idade? — pergunto enquanto o pego pelas axilas levantando-o e fingindo que o jogo para o alto.
— Ué, eu ouvi a tia Bia dizendo que vocês nasceram quando eu nasci. Então, se eu tenho cinco anos, vocês também têm.
Então as gargalhadas ressoam na pequena sala do meu apartamento que naquele dia recebia a família para o almoço do dia das crianças. Meu pai tira Beto do meu colo e o coloca sentado na bancada da cozinha, começando a lhe explicar o que a tia Bia tinha querido dizer…
Enquanto isso, eu me perco em pensamentos. O primeiro que me ocorre é de que se Beto soubesse, ou ao menos suspeitasse, que eu já era velho muito antes mesmo de nascer… Depois me ocorre que isso não pode ser verdade. Não pode porque tenho uma forte lembrança de ter escutado de uma prima mais velha, quando mais jovem, que eu nunca perdesse essa gentileza e inocência infantil que ela via em meu sorriso.
Eu não sei se ela se lembra ou se lembraria disso, caso eu contasse a ela, mas eu me lembro. Então, eu já fui criança, porque se eu tive essa inocência infantil estampada em meu sorriso, como o Bê tem, eu já fui como ele…
Eu já fui como ele.
Eu já fui como ele.
Eu já fui como ele.
Eu já fui como ele?
O que fez com que eu deixasse de ser como ele?
O que me fez ser velho como pensa o meu sobrinho?
Por que só eu sou velho para ele? Meu irmão e meus pais não lhe parecem assim…
O que me fez ser velho aos olhos do meu sobrinho?
— Tio Drigo! Tio Drigo! — de repente sou retirado dos meus devaneios por um Beto todo saltitante à minha frente.
— Hã?! Oi. O que foi, Betinho? — respondo perguntando meio aturdido.
— O vovô me explicou tudinho! Agora eu já sei que você não tem cinco anos, mas continua velho, né Vó? — ele me diz com os olhinhos brilhando de satisfação por ter entendido tudo o que o meu pai lhe havia acabado de explicar.
Mais gargalhadas.
Meu irmão o pega e o gira fingindo lhe dar uma bronca, cheia de gargalhos, sobre não respeitar gente idosa.
— Olha, Beto. Eu posso até ser velho, mas o seu pai é mais ainda, porque ele nasceu antes de mim. Por isso que ele não tem cabelo como eu…
Ao ouvir isso, Betinho começa a perguntar se toda gente velha é sem cabelo e se ele vai ficar careca que nem o pai. E, novamente, eu me perco em pensamentos…
Sim, Roberto, você vai ficar velho como seu pai, não sei se careca como ele ou ainda cabeludo como eu. Só espero que continue assim, sempre alegre como uma criança…
Belém, 12 de Outubro de 2024.
Daniel Prestes da Silva