Funciona com velhos?
2069.
— Nossa, não aguento mais cheiro de fralda suja, mãe. Ainda bem que hoje é dia de o Thiago ficar com o bebê. Estou exausta! — Disse Wanessa se jogando na cama ao lado da mãe. — Aqui, passa essa panela de brigadeiro que tô precisada.
A noite das meninas era uma tradição familiar iniciada quando Wanessa tinha entrado na puberdade; Verônica fora introduzida anos depois na mesma fase da vida. Era uma festinha do pijama, em que as garotas se reuniam para contar sobre os últimos acontecimentos, reclamar da vida, ver filmes ou qualquer bobagem e comer brigadeiro feito na velha panela de alumínio sem cabo.
— Pelo menos o Thiago tá aí pra fazer a parte dele e que fraldas não faltam — disse a mãe passando a panela de brigadeiro para a filha aninhada ao seu lado. — Lembro-me de quando você era bebê seu pai vivia se esquecendo de compra-las. Teve uma vez que ele teve a audácia de sugerir que reutilizássemos uma, como se ela fosse daquelas de pano!
— E você fez o quê, mamãe? — perguntou Verônica enquanto se esticava para alcançar a panela que estava com a irmã mais velha.
— Enrolei a Wanessa na camisa autografada do Flamengo dele — disse as gargalhadas.
— Não acredito! — gritaram as filhas.
— Enrolei. Num ficou nem duas horas limpa — disse ainda rindo. — Isso serviu de lição e nunca mais faltaram fraldas em casa. Nem das descartáveis e nem das de pano. Tanto que, depois que você desfraldou, Ronron, tínhamos um estoque em casa. Doamos tudo para uma creche próxima de onde morávamos à época.
— Por Tutatis, mamãe. Mas, sério… Estamos em 2069, caramba! O que esses cientistas fazem da vida? Já fomos até Plutão, colonizamos a Lua e fizemos uma estação de tratamento e de abastecimento de água em Marte. Mas resolver uma coisa básica da vida, fraldas sujas, nada! — disse Wanessa enchendo a boca com brigadeiro.
— Ahahaha. Ai, Wan, só falta você dizer que queria bebês autolimpantes, né?! — disse a irmã em tom de deboche.
— Não seria ruim. Nossos antepassados pensavam o futuro como um lugar em que bebês seriam gerados e criados em laboratórios, ou você não se lembra dos bebês do Huxley?
— Sim, mas eles não eram autolimpantes, eles sofriam lavagem cerebral, sua doida. Agora para de monopolizar o brigadeiro, por favor?!
— Eu sei. Aqui, ó. Mas, o ponto é que eles só se mexem pra coisas inúteis. Pelo menos é o que me parece atualmente. Antes eles se dedicavam à vida cotidiana. Nossas bisavós tiveram máquina de lavar roupas e de lavar pratos e o forno micro — ondas. Sem falar no aspirador de pó! E o que dizer da air fryer? O que a nossa geração ganhou? Nadinha.
— Verdade — ponderou a mãe depois de um tempo. — Até hoje a gente tem que ir ao mercado, cozinhar. Cadê as pílulas de comida? Ou pelo menos uma geladeira que se auto abastecesse, né? Odeio ir ao mercado.
— Ah, mamãe, mas aí como a gente faria brigadeiro de panela?
— Concordo com a Ronron.
— Vocês gostam da bagunça, né? Pois bem, a louça que tá na pia é de vocês — disse soltando boas gargalhadas.
— Tá bem. E, não se preocupem, resolverei o problema da geladeira e dos bebês — disse Ronron empunhando a colher de pau cheia de brigadeiro.
2074.
— Não foi dessa vez, hein, Ronron?!
— É. E você acredita que a mamãe já tá na fila pra pegar a geladeira dela? Ela é doida! Setenta anos e fazendo dessas.
— Dona Jana nunca nos decepciona… Agora, mudando de assunto, ainda dá pra resolver o lance dos bebês. Pra mim nem adianta mais, mas pra você e pro João, sim. Lembre, ele nem tem camisa autografada pra você usar. Ahahaha.
— Besta!
— Meu jeitinho. Agora, vem, vamos encontrar com a velha Jana de guerra.
2079
— Estão aí? Não consigo ver as duas.
— Aqui, Ronron. Deixa eu trazer a mamãe mais pra perto. Minutinho.
— Tá. Mas cuidado com ela.
— Ok. Estamos aqui. Mãe, dá oi pra sua piolhinha. — disse Wanessa se virando pra mãe, que estava ao seu lado. — Olha como ela fica cabeçuda na tela.
— Não implique com sua irmã. Oi, minha piolhinha cabeçuda, tudo bem– perguntou Dona Jana toda sorrisos.
— Ela te chamou de piolhinha cabeçuda. Hahahaha
— Vai te catar! Tou bem, mãe. Liguei para dizer que consegui resolver o problema dos bebês. Ou pelo menos das fraldas sujas!
— Sério?! Como foi isso, Ronron?
— Bom, sabe o RevFood, aquele plástico líquido que a gente borrifava nos alimentos para embalá-los e que podia ser ingerido sem problemas, que um grupo de cientistas da UFPa desenvolveu anos atrás?
— Sim, eu me lembro de algo sobre isso… não tanto de como ele surgiu, mas porque eu usei bastante. Que tem ele? — respondeu Wanessa.
— Então, eu comecei a testa-lo nas… — mas foi logo interrompida por uma impaciente D. Jana.
— Isso não interessa. Me diz, isso funciona com velhos?